Mefistófoles e a prática do consumo consciente

É fato que hoje estamos mais críticos com relação ao consumismo desenfreado. Contamos com um mundo de informações e com diversas opções de consumo. Além disso, não faltam nomes, frases e idéias para nos auxiliar a entender, defender e divulgar o consumo consciente. Este, como o diabo, tem muitos outros nomes: consumo responsável, consumo sustentável, consumo ético, consumo ecológico... Eufemismos à parte, mil e um nomes não estariam apenas tentando esconder uma única face: a da conservação do comportamento consumista?

A verdade é que a ideologia contemporânea que prega o consumo responsável nada mais faz que continuar servindo à barbárie consumista. Nenhuma propaganda de uma empresa “ética”, com sua musiquinha de bom gosto, suas belas imagens de natureza, seus tocantes discursos e seus produtos que só os ricos podem comprar, ordena “Não consuma!”. As propagandas dizem “Consuma conscientemente!”. Pretende-se formar um consumista consciente, e não um ser consciente ou não-consumista.

A filosofia corporativista se entranha em todo e qualquer nicho existente. O corporativismo, oportunista que é, apodera-se de boas intenções e faz com que elas favoreçam seu propósito. Foi assim com os ideais hippies, nos anos sessenta e setenta. Os olhos das indústrias cresceram para a proporção tomada pelo movimento Flower Power. O símbolo da ideologia da não-violência e de repúdio à Guerra do Vietnã passou a ser usado pela indústria, que transformou o sonho de amor livre no desejo, nada livre, de ter. Então, a busca pela liberdade virou moda, e ter um cabelo despenteado com planejamento ou uma roupa industrialmente surrada já tornava qualquer um parte do movimento. Já não era preciso pensar, obtinham-se prontos os pensamentos hippies. Isso economizava tempo, quando time was not money yet.

Nem Madre Teresa saiu ilesa. Em Calcutá, as seguidoras de Jesus eram reclusas. Em uma ocasião, Madre Teresa, presenciando o flagelo em que vivia a população, apiedou-se e decidiu agir concretamente, queria contribuir para mitigar o sofrimento causado pela fome e pelas doenças. Fundou, assim, a instituição das missionárias da caridade. Quando os atos dessas missionárias, bastante inovadores para as circunstâncias, ganharam corpo, tiveram enorme repercussão. Uma situação assim sempre atrai os ratos. E os ratos o que querem? Eles querem usar uma instituição para lavar dinheiro ilícito, querem vincular a imagem de suas empresas à boa imagem da instituição, querem transformar essa instituição numa corporação... Mas Madre Teresa, sentindo o cheiro podre, caiu fora com a frase: “Quero voltar ao que era: tudo simples.”

Fico aqui matutando se a idéia de responsabilidade social, consumo consciente e empresas ecologicamente corretas foi criada por grupos de boa-fé e usurpada pelas corporações, ou se foram essas empresas as próprias responsáveis pela criação. Por que não? (Veja-se o documentário “The corporation”, esse sim um produto com ética e responsabilidade social.) Vivemos numa época em que grande parte das empresas, se não está totalmente afundada na lama, no mínimo está respingada por ela (denúncias de violação dos direitos humanos; maus tratos de animais para testes de produtos; provocação de danos irreversíveis ao meio ambiente; produtos alimentícios contaminados por agrotóxicos e tantas outras substâncias; tudo isso sem falar de formação de cartéis, fraudes de impostos, e tantas outras modalidades de falcatruas...). Bem longe da Dinamarca, a podridão continua intensa. Não teriam as empresas apenas inventado um perfumezinho para amenizar o fedor já sentido até pelos seres comodamente narcotizados, aqueles que correm atrás da felicidade recomendada nos livros de auto-ajuda?

Pra encurtar a divagação, não só quero dizer, como já estou dizendo: em quase tudo veiculado pelas mídias e por seus colaboradores, ou seja, expectadores acríticos, “há algo de podre”. Em qualquer ocasião é inteligente desconfiar, “ter um pé atrás”. As palavras “mas, porém, todavia”, bem como sua função adversativa (que significa adversa, contrária, inimiga, hostil), sempre devem fazer parte do nosso pensar, das nossas conversas... Alguém parou para pensar, por exemplo, sobre a madeira certificada? Vou contar uma coisa: um mero pé de pinus, madeira de “segunda”, necessita de 25 a 30 anos para poder ser derrubado (aqui, no Brasil, incorretamente, com seis, sete anos, ele já é cortado). E aqui cabe uma perguntinha adversativa: mas, se leva tanto tempo pra madeira poder ser extraída, como as empresas conseguem suprir a demanda, que é extensa, por objetos e móveis de madeira? Elas conseguem. Mas (Olha aí a palavrinha de novo!) elas conseguem atender à demanda sem ferir nenhum direito humano e sem nenhum prejuízo ao meio ambiente? E não é muito difícil chegar a uma resposta negativa.

A bola da vez são as sacolas ecológicas. Uma pessoa que usa uma dessas sacolas é adjetivada de ética, responsável e consciente... Que simples, não? Alardeia-se que o uso de ecobags para transportar produtos vai resolver o problema das sacolas de plástico. E o que fazer com todas as milhares de embalagens que deixam o produto “mais higiênico, confiável e apresentável”? Devemos pensar no que carregamos dentro da sacola, no que trazemos para dentro de nossa casa. Esse "novíssimo" costume já o tínhamos, ainda ontem, em nossa infância. Hoje é dificílimo encontrar produtos não embalados, in natura.

O consumo consciente só pode ser efetivo quando reduzido ao mínimo possível. Fuja do supermercado. Faça seus próprios biscoitos. Cozinhe seu arroz e feijão. Descasque você mesmo seus legumes. Faça seu suco. Quanto menos itens industrializados tiver na sua despensa e na sua geladeira, mais perto de ser uma pessoa consciente e responsável você estará.

Oxalá chegue um dia em que uma coisa natural seja vista naturalmente, sem estardalhaço, em que possamos comprar uma fruta sem agrotóxicos por um preço acessível a todos, e não por modismo. Um dia em que não se realizarão as visões de “Não verás país nenhum”, que mostra um tempo em que teremos de entrar numa loja para comprar odores de terra molhada, de café... Um tempo em que as indústrias deixem de nos roubar os prazeres proporcionados pela natureza.

3 comentários:

  1. Puxa minha querida, amei!! Enfim decidiu nos dar o prazer de seus pensamentos...sempre muito intrigantes, instigantes, interessantes...Beijo grande.Semy

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  2. Olá amor,
    Puxa, que bem fundamentada reflexão sobre a questão.
    Porém, preciso confessar que sou um (medíocre, porque pobre) consumista!
    Compro suco envasado, legume picado e prontinho pro uso e todos os outros facilitadores domésticos.
    Enfim, tempos sem tempo para o exercício da natureza.
    Quiçá venham dias menos apressados, mais saudáveis e humanizados e com muita natureza (inclusive a nossa própria) por perto.
    Beijos
    Ric

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  3. sem dúvida belo ponto de vista só que: o que devo fazer, viver como plantas produzindo meu próprio alimento ou seguindo a linha e as mudanças que o tempo traz consigo? se eu voltar e viver como na ''pré-história'' o mundo de hj esperará por mim? porém é bem verdade e confesso que a coisa natural sem dúvida é x anos luzes a frente da industrializadas uma vez que é mais saúdavel...me pergunto tb o consumismo me dar saúde ou doença? o que deve ser feito?

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