Aulas de felicidade para alunos britânicos


Esta semana um jornal noticiou que crianças britânicas terão aulas de felicidade. Essa idéia surgiu nos EUA (só podia ser). Em razão do aumento de crianças britânicas que sofrem de depressão e enfermidades mentais é que será lançado esse projeto.

É incrível como se propaga a crença de que a humanidade pode ser moldada conforme manuais de comportamento.

Como seria possível aprender a ser feliz na escola?

Em geral, a felicidade é definida como “um estado de satisfação devido à própria situação no mundo”. Difere da noção de beatitude, em que a satisfação não depende da relação do sujeito com o mundo, e por isso se limita à esfera contemplativa ou religiosa.
Cada vez mais estamos distantes da experiência religiosa, da contemplação... Nossa vivência é totalmente pragmática, material... Usando o desgastado refrão: “valorizamos mais o ter que o ser”.

Então, vejamos a possibilidade de sucesso de um curso no qual se ensina a “felicidade”.

O conceito de felicidade nasceu na Grécia antiga e relaciona-se ao homem e ao mundo. Para Tales, feliz seria “aquele que tem corpo sadio, forte, e uma alma bem formada”. Demócrito definia a felicidade como a “medida do prazer e a proporção da vida”. E Platão afirmava que ela tinha relação com a virtude, e não com o prazer. Assim, “os felizes são felizes pela posse da virtude e da temperança, e os infelizes, pela posse da maldade”; ou, felizes são “aqueles que possuem bondade e beleza”. Segundo Platão, a virtude é a capacidade da alma de cumprir seus próprios deveres para com o mundo e a humanidade.

Saltando alguns séculos, chegamos aos filósofos humanistas, para os quais a felicidade está fortemente ligada ao prazer. Locke afirma que a felicidade “é o maior prazer de que somos capazes, e a infelicidade a maior pena; o grau mais elevado do que pode ser chamado de felicidade é ser-nos”. E Kant julga que ela faz parte do bem supremo, que pertence ao “reino da graça”, e, portanto, não é realizável num mundo natural.

A mim me parece que o “reino da graça” está mais próximo da experiência religiosa, do encontro com o sublime, da iluminação, do que do mundo concreto, político e social.

Essas definições vão ao encontro do pensamento antigo e medieval, que julgava ser o sábio o ser mais capaz de atingir a felicidade. Sendo assim, o homem contemporâneo estaria a anos-luz da felicidade, já que está muito longe de ser um sábio... As próprias expressões sábio e sabedoria soam como coisa antiga, de tempos longínquos e misteriosos. E se o grau mais elevado de felicidade e ser-nos, estamos indo no caminho inverso ao que conduz a ela.

Com Hume a noção de felicidade começa a ter sentido social: “Quando se faz o elogio de alguma pessoa benéfica e humana, não se deixa nunca de pôr em relevo a felicidade e a satisfação que derivam para a sociedade de sua ação e de seus bons ofícios”. Ou seja, ela depende de circunstâncias objetivas, por isso não pode pertencer ao homem como indivíduo, mas pertence ao homem enquanto ser social.

Russel acrescenta que é condição indispensável para se ter felicidade a multiplicidade dos interesses, das relações do homem com as coisas e com os outros homens, portanto “a eliminação do egocentrismo, do fechamento em si mesmo e nas paixões pessoais”.

E o Romantismo exaltou a dor, a insatisfação, a infelicidade como experiências positivas.

Longe de comungar com o pensamento romântico, acredito que atingir a felicidade é uma tarefa hercúlea. Não penso que ela não seja possível. Mas tenho convicção de que a estrada que estamos trilhando hoje não conduz a ela. Não serão cursos, manuais ou fórmulas que possibilitarão ao homem ser mais feliz. Como ser feliz num mundo cada vez mais distante da tolerância, da compreensão, do diálogo, do bom senso? Como será feliz um homem que a cada instante que passa torna-se mais apegado a futilidades, alienado das dores que afligem o outro, que só olha para si, e mesmo assim superficialmente. Se assim for, a felicidade está muito mais próxima do louco, e não do sábio.

Mas será que ser feliz é inerente ao ser humano? Será que a felicidade é deste mundo ou faz parte de uma experiência espiritual? Será que trabalhando para definir felicidade, eram os pensadores felizes? Será que só pensando, sem qualquer ação prática, seríamos felizes.

Em vez de ensinar na escola práticas para a conquista da felicidade, o Primeiro Mundo deveria se preocupar com distribuição de renda, igualdade social, reformas políticas que contemplassem todos igualmente, ou seja, criar um mundo real onde fosse possível a felicidade... Se ao menos as aulas, em vez de exercícios comportamentais, privilegiassem a argumentação e o questionamento sobre a felicidade... Talvez o resultado fosse maior incômodo, inquietação e insatisfação....

Não devemos deixar que nos iludam com fórmulas mágicas... A insatisfação e a inquietação podem ser uma das poucas saídas que nos restam para que não sejamos tomados pela alienação e o pouco caso com os rumos que o mundo está seguindo. Não permitamos que tirem-nas de nós!!!

Um comentário:

  1. Oi maninha,
    confesso: fiquei comovido com seu recado. um universo lateja em você e isso é felicidade. encontrei uma forma de blogar em meu orkut e estou muito satisfeito com o resultado.
    sobre felicidade a pluraridade de visões e definições é imenso de cultura para cultura. de fato não há fórmulas, é o dia-a-dia, é a reflexão, é a empatia, é o estado-do-ser:pontos que contam para atingir uma felicidade.
    a felicidade está relacionado com a expectativa da vida. o encontro com resultados favoráveis para valer a pena viver.
    bjos

    ResponderExcluir